terça-feira, 1 de julho de 2008

Entre a cruz e a foice


Falar sobre as idéias de Karl Marx e pretender confrontá-las com a doutrina de Cristo é ousar entrar num campo polêmico, controverso, mas, sempre atual e instigante. Antes, porém, de me atrever a isso, acho importante estabelecer distinções claras entre a sociedade civil – expressão duma estrutura político-organizacional humana –, da essência da Igreja, enquanto expressão maior ou mais manifesta do cristianismo, ou seja, dum credo religioso. Enquanto a sociedade, sujeita como é às ondas da evolução histórica e social, tende a transformar-se continuamente; a Igreja, tendo em vista sua própria missão, tende ao contrário a permanecer imutável no espaço temporal.

Trata-se dum contraste evidente: ao passo que sociedade civil se vê instigada a viver numa dimensão meramente terrena, contingente, ou seja, histórica; a instituição eclesiástica pode, além das aparências, aludir à dimensão estática do eterno. Eis a razão pela qual a Igreja atravessa os séculos vivendo uma realidade imutável, podendo opinar sobre as situações das sociedades atuais, mesmo não se nutrindo de fato dessas mesmas realidades.

Enquanto as sombras do milênio passado se distanciam cada vez mais, com seus medos, curiosidades e incertezas essências, o cristianismo [leia-se, sempre, a Igreja], se defronta com sério dilema: por um lado, adequar-se à mentalidade de uma época intrínseca de materialismos e realidades mundanas, pondo em segundo plano tudo aquilo que caracteriza o seu credo enquanto religião, quem sabe, para conquistar novos espaços, para imergir de modo mais sistemático no social e para tentar aproximar-se mais das pessoas, respondendo-lhes, mais que quaisquer outras, ânsias econômicas e demais problemas terrenos; por outro, continuar a manter seu próprio rosto, sua única e imprescindível vocação sobrenatural, com seus próprios princípios eternos.

Dada a natureza e as finalidades da religião cristã, parece súbito evidenciar que com a busca de excessivos [ainda que idealmente justos] compromissos terrenos e generosos que a Igreja assumiu por meio da sua Doutrina Social, arriscando, com a sua ação, de desfigurar o verdadeiro vulto da Igreja, ou seja, o de Cristo. O cristianismo, agrade ou não, é e permanece sendo uma fé. Segue-se, portanto, que, quem o aceita, o aceita por inteiro, e quem o rejeita, o rejeita completamente. Reflexo invertido, quem sabe, dessa época tecnológica em que tudo é possível e lícito, em que todas as coisas formam o direito, enquanto o dever [que é a base do direito] é encarado como um incômodo opcional.

Há décadas, muitos intelectuais marxistas, pós-marxistas e "catocomunistas" [como são chamados os católicos de esquerda na Itália] levantam uma hipótese, digamos, curiosa, mas igualmente infundada: se Jesus retornasse e decidisse se meter em assuntos políticos, se associaria ao credo igualitário marxista? Não são, de fato, os marxistas uma multidão de cristãos em busca de uma nova igreja mais humana e mais justa que satisfaça completamente as suas aspirações de eqüidade? Acaso não têm sido sempre os discípulos de Marx alvos das filas dos pobres [ou, empobrecidos, como queiram], reivindicando justiça e paridade, como fez o próprio Jesus Cristo? E mais: não seria tempo de a Igreja, que está comprometida há tempos com o poder [pelo menos desde que o imperador Constantino subiu ao trono], dê início a uma obra de purificação para reencontrar o caminho humilde do Evangelho?

Diante dessas interrogações, surge uma contra-pergunta: pode, na realidade, subsistir uma condição de conciliação real entre o cristianismo e o marxismo? Partindo de uma atenta e não polêmica análise racional, seria provável que não e com o aplauso inclusive dos católicos "históricos" que interpretam o Verbo feito carne numa ótica exclusivamente social e terrena, tentando, de certa forma, depurar sua real essência transcendental e meta-histórica.

Ainda que sem tentar, por motivos óbvios, expor todos os motivos dessa incompatibilidade, é possível dizer, pelo menos, que a rígida negação do conceito de "além", característica do credo marxista, anularia de cara com o principal pilar da fé e, quem sabe, incidir – lenta, mas, inexoravelmente – nos comportamentos intelectuais e prático do militante católico, sobretudo naquele empenhado com o social, distanciando-o do conceito de dogma e, portanto, de fé. Ainda que, como se verifica, a partir da derrubada do Muro de Berlin e do fim do sonho comunista, os neo-marxistas, órfãos duma igreja materialista extinta, passaram do lixo a priori do "ópio" da religião, para um movimento de assimilação do próprio credo cristão.

Alguém duvida que tanto "Cristo" quanto "Marx" estejam em plena crise de identidade?

4 comentários:

Anônimo disse...

Fábio, diate de sua perspectiva, acredito, definitivamente, que Jesus nem deveria ter descido à terra. Sua vinda foi, realmente, em vão.
O véu que Ele rasgou, vocês [leia-se a igreja] costuraram e, diga-se de passagem, muito bem costurado.
ALEX DANCINI

Fábio Sexugi disse...

E o que Ele veio fazer aqui?

PEDRO PAULO disse...

VOCÊ FALOU: "O cristianismo, agrade ou não, é e permanece sendo uma fé. Segue-se, portanto, que, quem o aceita, o aceita por inteiro, e quem o rejeita, o rejeita completamente."

Partindo então desse imperaivo, podemos concluir que NINGUÉM no mundo inteiro é cristão.E isso é muito simples e evidente de ser provado, NÃO pelas atitudes das pessoas, que sempre se posicionam, adotam posturas e assumem iéias, mas pela postura da Igreja que, FAZENDO A MESMA COISA que todos os homens do mundo fazem, não aceitam esse imperativo de SER e ESTAR vivo de nenhum homem que vá em desacordo com AS SUAS POSTURAS, IDÉIAS e POSICIONAMENTOS que mudam da água para vinho de acordo com as suas conveniências.

A Igreja já havia dito que "Socialismo religioso e socialismo cristão, são termos contraditórios já que ninguém pode ao mesmo tempo ser bom católico e socialista verdadeiro" (Quadragesimo Anno, nº 117 a 120), mas isso não impediu que religiosos em rebeldia plena com o Magistério eclesiástico católico afirmassem que “o Reino de Deus é concretamente o socialismo" (L. Boff e Cl. Boff. Da Libertação, p. 96). Genésio Boff disse ao Jornal do Brasil que o proposto pelos seus irmãos em Marx “não é Teologia dentro do marxismo, mas marxismo (materialismo histórico) dentro da Teologia".

Quem está certo e por quê? Os Teólogos da libertação que só concebem um "Salvador" interagindo com os perdidos em meio às mazelas sociais ou a Igreja que a partir das transformações histórico-dialéticas renegam essa posição e "espiritualmente" APOIAM outras iguais ou piores como, por exemplo, o NAZI-FASCIMO, publicamente amparado por Sua Santidade o Papa Pio IX? Por que apoia o NAZISMO pode e apoiar o socialismo não pode?

Outra coisa: NÃO É VERDADE que a Igreja (e a qui lei-se IGREJA mesmo e não cristãos) é uma instituição espiritual e sócio-cuturalmente imutável. Nem mesmo na sua Teologia e nem emsmo em relação ao seu panteão divino a mesma é isso que alega ser.

Eu sou a mãe e a natureza inteira, senhora de todos os elementos, origem e princípio dos séculos, divindade suprema, rainha da alma dos mortos, primeira entre todos os habitantes do céu, os sopros salutares do mare,o próprio ESPÍRITO SAGRADO, os silêncios desolados dos infernos, sou eu quem tudo governa segundo a minha vontade [citado por Serge Sauneron em Dictionaire de la civilisation égyptienne, Paris, 1959, pag. 140]

Esta é ISÍS, mãe do Deus HÓRUS.

Osíris é a atividade vital universal, quer esta seja terrestre ou celeste. Sob a forma visível de um deus, ele DESCE AO MUNDO dos mortos para lhes tornar possível a regeneração e, por fim, a RESSURREIÇÃO na SUA glória, porque todo morto JUSTIFICADO em SEU NOME é um germe de vida nas profundezas do cosmo, exatamente como um grão de vida no seio da terra [CHAMPDOR, Albert. Le Livre Des Morts, Paris, 1963. Pag. 17]

Este é OSÍRIS, Pai do DEUS HORUS.

Eu sou o Deus ENCARNADO, Senhor e Filho unido a OSÍRIS E ISIS. Sou UM com os TRÊS. Sou detentor da Glória e do poder de OSÍRIS e do SAGRADO ESPÍRITO regenerador de ISÍS e por isso governo os vivos e os mortos e morri e RESSUSCITEI após três tempos sagrados: o de OSÍRIS, o de ISIS e o MEU para voltar a governar ao lado de OSÍRIS sendo eu e ele a mesma pessoa.
[CHAMPDOR, Albert. Le Livre Des Morts, Paris, 1963. Pag. 25]

E esse é o Deus HÓRUS, filho dos outros dois deuses acima.

Existe alguma semelhança entre esse Deus e Cristo? Existe alguma semelhança no fato de três deuses em um só representarem, EXATAMENTE, a trindade divina cristã?

Considerando que esses textos datam de aproximadamente 3.000 anos antes de Cristo e considerando também que os mesmos falam EXATAMENTE as mesmas coisas que a igreja cristã fala, onde está a verdade da existência de Deus? No Antigo Egito ou na Igreja cristã?

A Igreja cristã alega que esses textos não existem, APESAR dos mesmos existirem e estarem expostos no Museu do Egito. Outros afirmam que não passam de MITOS desconsiderando que MITIFICAR esses textos corresponde a MITIFICAR os seus próprios textos também. Mas ninguém DA IGREJA admite o ÓBVIO do ÓBVIO: as duas coisas são uma coisa só transformada na sua apresentação porque o mundo é histórico dialético.

Um Abraço.

Pedro Paulo Rodrigues Cardoso de Melo.

Fábio Sexugi disse...

Pedro Paulo,

Quando me refiro à Igreja no texto, falo da sua doutrina unicamente. E a doutrina católica é irreversivelmente imutável. Não muda porque trata-se do depósito da fé que ela recebeu dos apóstolos e que continua intacto através dos séculos, apesar da falta de coerência, muitas vezes, de seus membros [entre os quais eu me incluo]. Um exemplo prático: a Igreja teve que perder o território da Inglaterra inteirinho porque não pode abandonar sua doutrina que estabelece que o casamento é indissolúvel, porque assim Jesus, seu fundador, estabeleceu.

E a afirmação de Pio XI, ainda que não seja ex-catedra, continua valendo. Vale porque não se pode, ao mesmo tempo, defender e negar o direito de posse.

Em relação ao suposto apoio ao tal Nazi-Fascismo: Igreja nunca deu aprovação à Hitler, antes, publicou em 1937 o documento “Mit Brenneder Sorge”, em que condenava o totalitarismo nacionalista e racista alemão; um ano depois, condenou toda a forma de racismo e, quando Hitler visitou a Cidade Eterna no mesmo ano, o Papa se retirou e mandou fechar o Vaticano, ordenando que a bandeira fosse hasteada a meio mastro como sinal de luto pela presença do ditador alemão convidado por Mussolini. O resto é cafezinho.

Com relação aos textos sobre mitologia egípcia, particularmente não dou muito crédito. Mas, mesmo que a minha intuição me engane, ainda assim a Igreja – diferentemente do que você assegura – reconheceria no texto o que o Vaticano II chama de "sementes do Verbo", ou seja, raios da Verdade presentes que estão presentes em todas as culturas e todos os tempos. O Novo Tesmamento, diferentemente desses tais escritos, conta com o testemunho histórico de muita gente, mas sobretudo de dois grandes: PEDRO de Betsaida e PAULO de Tarso.

Abraço!