quarta-feira, 16 de julho de 2008

Mais inculta e menos bela

A língua camoniana mais uma vez vai ser mudada pelo acordo ortográfico. Trata-se duma mudança besta, desnecessária, completamente dispensável tanto do ponto de vista político e mais ainda do cultural e lingüístico. Digo isso porque não é concebível que, diante da fartura de discussões acadêmicas sobre a natureza da língua e da repercussão que essas mesmas discussões costumam ganhar, aceite-se tão passivamente que meia dúzia de políticos venham nos dizer como devemos escrever nossa própria língua-mãe, sob o pretexto de dar maior visibilidade à língua no mundo moderno [como se o mundo e mesmo os próprios países afetados pelo acordo estivessem lá interessados na unificação das grafias].

A língua é em si mesma. Tem vida própria. E como tal, deveria ser soberana, imune às imposições das frescuras dos políticos. A ortografia e as estruturas gramaticais deveriam acompanhar o curso natural da vida de uma língua e não podem estar sujeitas ao autoritarismo de pseudolingüistas bajuladores do poder de Brasília/Lisboa [porque só pela puxação-de-saco é que conseguem estuprar nossas gramáticas, impondo à força, artificialmente, aquilo que pela via das idéias são incapazes de fazer].

Insisto: a língua é em si mesma. E, sociolingüisticamente, é bobagem pensar que brasileiros, portugueses, moçambicanos, angolanos, guineenses, timorenses e são-tomenses, que têm culturas completamente diversas, vão falar de modo uniforme, como pretendem os caras do poder. Não farão isso, porque o que difere esses gentílicos em relação à língua comum vai além da grafia: está na gramática natural, nas expressões usadas que são únicas para cada um deles. E não adianta usar sebentas pirosas para defender essas injunções, dado que o tal acordo, pra mim, vale menos que uma chávena de bica numa locanda de bairro de lata ou uma bacorada que um tulho qualquer conta. [Não entendeu? Quem sabe o acordo ortográfico ajude você! Já que é exatamente isso que pretende o tal tradado.] Pois bem, se a gramática não suporta todos os fenômenos lingüísticos, tampouco a legislação dá conta das diversidades gramaticais profundamente enraizadas nos países cujo português é a língua-pátria.

Esse tratado político – estrita e unicamente político – me causa freqüente enjôo [com trema e circunflexo, claro!] porque todos os países envolvidos, até mesmo Portugal, têm assuntos mais urgentes para tratar. E, a despeito do acordo, vou continuar rabiscando como aprendi. "Graphar é a vingança", como diz bem o poeta João Filho.

Uma coisa é certa: o acordo ortográfico vai deixar o famoso poema de Olavo Bilac desatualizado.

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